Já
é tradição que o nariz do palhaço é vermelho. Mas para se
reafirmar as tradições e entender mais acerca do mundo, tem que se
primeiramente questionar o “Por que” de tal tradição.
Parafraseando Fernando Pessoa: “Primeiro estranha e depois
entranha”.
Quem
usa um nariz vermelho e nunca se questionou sobre a existência, a
história e o simbolismo do mesmo, tem feito um uso vazio, despido de
ciência.
Seria
simplista escrever que vermelho pode indicar poder, sendo a cor dos
cardeais, ou ainda indicar uma luta, ou a cor que junto com o verde
forma a decoração de natal. Pode-se defender que vermelho remete a
sangue, e por analogia à vida; ao sangue de Cristo para os
religiosos. Isso se dá porque a cor vermelha pode ser associada a
inúmeros sentidos: é a cor da paixão para os apaixonados. A cor da
alegria para uns e da pureza para outros.
Mediante
a tal reflexão é preciso que se aprofunde não só na análise da
cor, mas a aspectos profundos, pois o nariz vermelho do palhaço pode
ser considerado um arquétipo.
Arquétipo,
palavra de origem grega grafada: aρχή – arché, que significa
principal ou princípio, remete ao primeiro modelo de alguma coisa. A
palavra foi adotada pelo psiquiatra suíço Carl Gustav Jung
indicando a forma imaterial à qual os fenômenos psíquicos tendem a
se moldar, refere-se aos modelos inatos que são matriz para os
fenômenos da psique. Ou seja, são tendências estruturais
invisíveis dos símbolos, são representações, imagens que
correspondem a alguns aspectos da situação consciente do sujeito.
Possui como sinônimo a expressão “imagens primordiais”. Segundo
Jung se originam da constante repetição de uma mesma experiência
no decorrer de inúmeras gerações.
O
termo refere-se, portanto aos símbolos presentes no inconsciente
coletivo. O inconsciente coletivo é a consolidação da experiência
ancestral da espécie, sendo formado pelo material psíquico. Uma
analogia facilita a compreensão: o inconsciente coletivo é como o
ar, que é o mesmo em essência em todo lugar, é respirado por todos
e não pertence a ninguém. O conteúdo que forma o inconsciente
coletivo são os arquétipos que funcionam como peças do
quebra-cabeça que o inconsciente coletivo é.
A
personificação da figura mítica seja ela o palhaço ou um herói é
algo que acompanha a humanidade e tem um significado que vai além do
plano real da existência e consolida o inconsciente coletivo e se
insere no tempo e na história. A forma de pensamento universal
possui não só a carga estética, mas também uma carga afetiva
sobre a imagem, sobre o símbolo.
Assim
tratar do nariz vermelho do palhaço implica em evocar todo o
significado que o gerou. Associa-se assim a força da forma com a
força da cor.
Quanto
à forma, o nariz do palhaço, consiste em uma bola redonda, um
círculo. O círculo remete ao ponto, muitos palhaços pintam só um
ponto vermelho como nariz, e pode ser considerado como sinal supremo
de perfeição, união e plenitude. O centro que encontra motivo na
própria existência.
O
nariz podia ser verde, rosa, laranja. Mas, só de imaginar o nariz de
palhaço dessa cor tem-se estranheza, pois se estruturou no
inconsciente coletivo que o nariz do palhaço é vermelho.
Na
grande maioria das civilizações, em sua simbologia, o vermelho
significa força, virilidade, feminilidade, dinamismo. É uma cor
exaltante e até enervante. Impõe-se sem discrição. É uma cor
essencialmente quente, transbordante de vida e de agitação.
Na
arte e na antropologia, o simbolismo da cor refere-se ao uso da cor
como um símbolo em todas as culturas e religiões, enquanto a
psicologia da cor remete à análise do efeito da cor no
comportamento e sentimento humano, distinta da fototerapia (o uso da
luz ultravioleta para curar a icterícia infantil). É importante não
confundir psicologia da cor com simbolismo da cor. Mesmo apesar do
fato de o simbolismo da cor possuir um caráter psíquico.
O
vermelho, do latim vermillus, é a cor do sangue, situado no limite
do visível do espectro luminoso. Abaixo deste comprimento de ondas,
o infravermelho, não é mais perceptível pela visão humana. Também
é conhecida como escarlate ou encarnado. É cor-luz primária e
cor-pigmento secundária, resultante da mistura de amarelo e magenta.
Evoca
padrões de memória que se relacionam a cor do coração, ao fogo,
ao sol, ao rubi, a lava quente dos vulcões, a revolução.
Analisando
a cor vermelha no âmbito do nariz do palhaço por intermédio da
sentença: “O nariz do palhaço representa os olhos, e os olhos
representam a alma.” Pode-se concluir que o nariz do palhaço é
vermelho para chamar atenção do público por ser uma cor quente.
Serve
como indicador da direção na qual o mesmo vira o rosto: o palhaço
nunca movimenta o olhar, sempre move a cabeça em direção ao que
observa o que por si só já consegue extrair risos.
Assim
sendo, os olhos do palhaço tem de ser expressivos, tem que
transmitir sentimentos, pois não precisam servir para indicar o que
o palhaço olha. Não são portas de saída, mas de entrada, e dá
acesso a alma do artista. Estabelece a relação palhaço –
público, palhaço – outro. Permite que o sentir seja expresso pela
forma e direção do olhar.
Os
narizes são vermelhos porque zombam das ditaduras do ontem e do
hoje, porque indicam que apesar da dor e sofrimento a vida continua,
continua no centro do rosto, continua quente como o sol, continua
apontando a direção na qual olhamos para lançar nossas almas nesse
misterioso oceano a que chamamos vida.
Fonte: Mayra Lopes